5 Décadas de Democracia

Como está o digital a mudar o acesso à saúde?

As teleconsultas são uma das ferramentas da digitalização
As teleconsultas são uma das ferramentas da digitalização
Getty Images

O Expresso e a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) juntam-se para debater as últimas cinco décadas de democracia em Portugal. Nos próximos 10 meses, vamos escrever (no Expresso) e falar (na SIC Notícias) sobre 10 tópicos diferentes da sociedade à economia. Neste mês de julho, o tema será a sustentabilidade do sistema de saúde

Ana Baptista (texto) e Carlos Esteves (infografia)

Os factos

O processo de transição digital no Serviço Nacional de Saúde (SNS) começou ainda nos anos 1980, mais precisamente em 1988, com a automatização dos serviços financeiros e administrativos e a informatização dos processos clínicos.

Durante os anos 1990 foram dados passos significativos, inclusive na telemedicina, mas foi nos anos 2000 - e principalmente durante a pandemia - que os utentes começaram a ver mais os efeitos dessa digitalização.

A prescrição eletrónica e as receitas sem papel são um exemplo disso.

De acordo com dados da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), a entidade que gere a transição digital no SNS, desde abril de 2022 até agora foram feitas 28 milhões de requisições eletrónicas, o que corresponde a uma taxa de desmaterialização de 92,42%.

E desde maio de 2022 foram partilhados pelos prestadores convencionados 58,3 milhões de resultados.

Outra evolução digital aconteceu no SNS 24. Deu um salto significativo durante a pandemia. Por exemplo, nas chamadas telefónicas foi incluído o atendimento eletrónico para acelerar a triagem.

Já a app SNS 24 passou a incluir mais funcionalidades. Por exemplo, as receitas passadas pelo médicos são enviadas via sms e/ou e-mail mas estão também disponíveis na app. E uma vez levantadas ficam no histórico. E quem tem medicação habitual pode receber alertas quando esta está a terminar.

As receitas e os exames que ficam disponíveis na app SNS 24 dizem, contudo, apenas respeito ao que se passa nas unidades de saúde públicas, que são as mais usadas pela população.

Cada sistema privado tem as suas próprias apps e portais e, por exemplo, se for a um hospital privado, a receita também fica disponível na app, onde está igualmente todas as análises e exames feitos e onde se podem marcar consultas.

Como chegámos até aqui

A desmaterialização dos processos administrativos não é uma característica única do sector da saúde. Tem acontecido em todas as áreas e sempre com um objetivo: facilitar a vida das pessoas e dos profissionais, considera Sandra Mateus, responsável pela área da saúde na Microsoft.

Mas, na saúde, esta transição digital ganha mais peso por causa das condições atuais dos serviços e também por causa das alterações demográficas dos últimos 20 anos.

“A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que, em 2030, vão faltar 14 milhões de profissionais de saúde em todo o mundo e a Europa não é exeção. Além disso, a população está a envelhecer e viverá por mais anos por causa dos avanços na medicina, o que faz com que a população ativa esteja a cair e, por isso, vamos ter menos pessoas para fazer as coisas. A tecnologia ajuda a fazer mais com menos pessoas”, repara Sandra Mateus.

O Japão - o país mais envelhecido do mundo - é um bom exemplo disso, mas levado a um certo extremo, uma vez que tem criado robôs para suprimir a falta de cuidadores médicos (ou mesmo empregados domésticos), conta o sociólogo Pedro Góis.

“Não há profissionais de saúde que cheguem e os que existem têm de estar a fazer tratamentos e não trabalho administrativo”, diz Sandra Mateus, da Microsoft

Claro que, apesar dos níveis de literacia digital e em saúde estarem a melhorar em Portugal, ainda há um caminho a percorrer. Nesse sentido, foi criado, em dezembro de 2020, o Balcão SNS 24, que hoje já soma 270 espaços em todo o país, segundo dados da SPMS. Este balcão serve, precisamente, para dar apoio a quem não tem internet ou não a sabe usar.

Para onde caminhamos

A digitalização na saúde tem estado focada no mesmo que os profissionais de saúde: diagnóstico e tratamento. Mas, de acordo com Sandra Mateus, está a ser feita a “mudança desse paradigma para o da prevenção”, onde o digital pode ter um papel ainda mais relevante.

Por exemplo, um doente com diabetes pode ser acompanhado com um simples sistema de envio de sms que faz perguntas diárias sobre o estado do doente, antecipando assim uma crise ou uma ida às urgências.

Outra forma em que o digital pode ajudar é na investigação. Com a Inteligência Artificial vai ser possível analisar e cruzar dados demográficos, geográficos, ou atmosféricos e, dessa forma, identificar focos de doenças cardíacas, acrescenta Sandra Mateus.

Aliás, a correlação de dados dos doentes, ou seja, ter os dados clínicos acessíveis em todas as unidades de saúde do país - públicas e privadas e não apenas no local onde o paciente tem a consulta - é uma das principais metas digitais neste sector, que ajudaria não só ao diagnóstico e tratamento, mas também à prevenção.

Este processo já está em curso há algum tempo e são muitos os médicos e especialistas em saúde que esperam que ganhe um novo fôlego agora com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

De acordo com dados fornecidos ao Expresso pela SPMS - que é também responsável pelo transição digital na saúde no PRR - a correlação de dados dos doentes é uma das quatro áreas em que serão investidos os €300 milhões disponíveis. Mas há outras áreas, como a modernização das infraestruturas e dos sistemas de informação usados pelos profissionais de saúde. No total, diz a SPMS, são mais de 100 projetos que estão em curso só no âmbito do PRR.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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